Lembro
de uma fixação latente por mãos. Talvez ela nem saiba que tem mãos
ansiosas. Ela não quer saber de uma porção de coisas. Talvez saiba
demais. Talvez eu a tenha deixado saber demais. De boca fechada, meus
olhos gritam mais alto que o barulho da tevê que ilumina o quarto.
Lembro de fechá-los por vontade própria, a fim de que ela não me visse
despido de tudo que eu crio pra que ela não preste muita atenção em mim.
Distrações. Uma
grande orquestra tocando uma pequena canção. Detalhes singelos que
ganham proporções quase épicas. As mãos ansiosas. Lembro de jogar
pedras naquela janela para, quem sabe, enxergar através das brechas
algo que me mostre que eu não sou o único perdendo a razão aqui, nesse
sofá. Sinto que somos como dois carrosséis que giram em sentidos
opostos. Eu não quero saber o que acontece quando estamos de costas um
para o outro.
Há
pouco estávamos aqui, enxergando um ao outro de uma distância que pode
ser medida com os dedos de uma mão. Em meu carpete, marcas de sapatos
que viajaram o universo procurando sentir aquilo. E eu senti tudo aqui,
quieto. Fechava os olhos sempre que sentia os meus pensamentos
tentando saltar através das órbitas. Tive medo de vê-los derramados
pelos lençóis, de vê-la olhando atônita para aquilo tudo, como se não
fosse capaz de ouvir os meus olhos gritando.
Já
tive sentimentos imensuráveis. Imensurável também era tudo que vinha
agregado ao fato de sentir algo que não cabe no peito. A orquestra foi
perdendo, aos poucos, seus membros mais importantes, até que o
desfalque era tamanho que me feria os ouvidos. Uma desafinada sinfonia,
sem melodia nem cadência, conduzida por um maestro que não está mais
lá. Hoje minha filarmônica ensaia um movimento diferente, que eu tento
chamar, mas não consigo, de distração. Uma grande orquestra tocando uma
pequena canção.
E
a música dela é nova, é rara, é curta, e quase nunca toca no meu
gramofone. Mas é no mesmo tom da minha. Ela parece não saber que cada
nota ficou na minha cabeça, como uma partitura escrita pelas paredes da
minha casa. Ela parece não querer saber. Mas cá estou eu, sempre
falando um pouco demais. (Lucas Silveira)